terça-feira, 30 de novembro de 2010

O Romance Regionalista'

Os chamados romances regionalistas ou sertanistas (na verdade, romances de temática rural) parecem, à primeira vista, nascer da nostalgia do autor em relação ao rústico mundo interiorano, onde passara a infância, conforme se pode observar nesta passagem de O sertanejo:
Quando te tornarei a ver, sertão da minha terra, que atravessei há muitos anos, na aurora serena e feliz da minha infância? Quando tornarei a respirar tuas auras impregnadas de perfumes agrestes, nas quais o homem comunga a seiva dessa natureza possante?
Contudo, são razões de ordem ideológica que predominam na elaboração destas narrativas. No prefácio de um romance urbano, Sonhos d'ouro, Alencar explica o que pretendia ao revelar o interior do País:
Onde não se propaga com rapidez a luz da civilização que de repente cambia a cor local, encontra-se ainda em sua pureza original, sem mescla, esse viver singelo de nosso país, tradições, costumes e linguagem, com um sainete* todo brasileiro.
Desta afirmativa e da leitura dos quatro romances sertanistas (O sertanejo, O gaúcho, O tronco do ipê e Til) pode-se chegar a duas conclusões:
a) A condição brasileira (isto é, o cerne da nação), na sua forma mais pura e singela, localiza-se no mundo rural.

b) A extensão geográfica dos romances (do sertão ao sul do país, passando por fazendas fluminenses) indica que a ânsia de Alencar em abranger o núcleo básico do território nacional corresponde ao desejo das elites imperiais (das quais o autor é o principal intérprete) em integrar todas as regiões ao corpo de uma nação centralizada e unificada. **
Significativo sob este ângulo é o elogio, em O gaúcho, da pretensa dimensão monarquista e anti-separatista dos chefes da Revolução Farroupilha.
Ora, como o autor está interessado em mostrar, acima de tudo, a unidade do país, os aspectos originais da vida regional reduzem-se a algumas descrições poéticas da natureza, a alguns costumes típicos e à capacidade heróica /aventureira dos protagonistas, os quais parecem representar, de maneira mais ou menos primitiva, à bravura e a generosidade do homem rural brasileiro.
Ao se tornar o porta-voz artístico da unificação nacional, Alencar acaba tendendo a uma literatura que apenas celebra os encantos rurais, sem analisá-los, enquanto no plano do enredo a estrutura convencional de folhetim impõe-se completamente.
Observe-se ainda que a linguagem mantém o padrão culto urbano, pouco valorizando as particularidades lingüísticas de cada região enfocada.
* Sainete: gosto, sabor.
A IMPORTÂNCIA DE JOSÉ DE ALENCAR
As estruturas do folhetim, o predomínio da ação sobre os caracteres, o nacionalismo ufanista e a visão idealizada da existência - que compõem a obra de Alencar - não fascinam mais os leitores. Sob este ângulo, seus romances pertencem a outra época, desgastaram-se com o passar do tempo e oferecem dificuldades de leitura, sobretudo aos jovens. Não obstante, por várias razões, o autor cearense continua tendo uma importância histórica extraordinária:
· Consolidou o romance brasileiro ao escrever movido por um sentimento de missão patriótica (durante toda a sua carreira, parece que nada mais quis senão descobrir a essência da nacionalidade.)

· Discutiu incessantemente a questão da autonomia de nossa literatura, procurando eliminar as influências portuguesas sobre a mesma (ainda que às vezes caísse em padrões franceses e ingleses).

· Preocupou-se em construir um painel, o mais abrangente possível, da realidade brasileira. Seu esforço de totalização fracassou, é verdade. Contudo, a idéia de um romance, ou de um conjunto de romances, capazes de representar a nação (ou o povo) ainda encontraria eco nos escritores do século XX, como Mário de Andrade, Antônio Callado e João Ubaldo Ribeiro, entre outros.

· Foi o primeiro ficcionista a perceber a vastidão e a diversidade do país, intuindo algumas especificidades regionais e abrindo um filão (a narrativa de temática rural) que continua presente na ficção contemporânea.

· Nos momentos mais felizes (Iracema, Senhora e Lucíola), alcançou a análise psicológica, quase à maneira realista, além de mostrar o peso da sociedade nas relações pessoais.

· Problematizou a questão da língua brasileira e ele próprio criou uma linguagem literária original, muitas vezes de grande densidade poética.

· Em muitos de seus romances demonstrou um esforço estético, uma "vontade de forma", uma capacidade de elaboração artística que não encontramos em nenhum outro prosador do período.
Por todos estes motivos, José de Alencar pode ser considerado o fundador do romance brasileiro.'

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