terça-feira, 30 de novembro de 2010

O Mundo Após a BomBa'

A manhã de 6 de agosto de 1945 era de sol. O alarme de ataque aéreo havia soado na cidade de Hiroshima mas, como nada acontecera a seguir, os moradores retomaram suas atividades pensando estar seguros. Foi sem aviso que uma luz envolveu os japoneses da cidade minutos depois. Um clarão que, de repente, devastou construções, matou vidas instantaneamente e imprimiu em outras tantas uma lembrança inesquecível. A explosão da bomba atômica em Hiroshima mudou para sempre o Japão e o mundo.
Muitas vítimas da bomba morreram na hora. Outras, que poderiam ter sido salvas, não resistiram pois não havia meios para ajudá-las. Dos 150 médicos de Hiroshima, 65 morreram. Das 1.780 enfermeiras, apenas 126 estavam em condições de trabalhar. Dezenas de hospitais estavam em destroços.
Três dias depois foi a vez de Nagasaki, a segunda opção. O plano inicial dos norte-americanos era o de atingir a cidade de Kokura, mas o tempo fechado impediu a visão clara do alvo. As ordens eram para que a bomba fosse lançada do avião em uma região que pudesse ser observada do céu. O piloto, então, rumou para o segundo alvo. Em Hiroshima, 100 mil pessoas morreram no momento da explosão. Outras 40 mil mortes ocorreram até o fim de 1945 em decorrência da radiação e de queimaduras. Nagasaki teve cerca de 74 mil mortes e quase o mesmo número de feridos.
Welison CalandriaENOLA GAY - O avião Enola Gay, que lançou a bomba atômica sobre Hiroshima, era do modelo B-29. Esta série foi considerada a mais cara e complexa construída na Segunda Guerra Mundial. Com seus 31.815 quilos, ele era capaz de atingir até 576 km/h. Seu nome foi escolhido como uma homenagem à mãe do piloto que lançou a bomba, Paul Tibbet Jr. A bomba atômica era chamada pelos norte-americanos de Little BoyAos sobreviventes restou contar suas histórias dramáticas, conviver com dores físicas e seqüelas da radiação, lembrar-se permanentemente do estado de horror que tomou conta de Hiroshima e Nagasaki e reconstruir suas vidas, dentro ou fora do Japão. Muitos deles escolheram vir ao Brasil como imigrantes.
Trabalharam, constituíram família, realizaram sonhos, enfim, reconstruíram suas vidas. Da tragédia guardam amargas memórias - que você confere nos depoimentos desta reportagem - e um desejo profundo de paz, que, mesmo passados 60 anos dos ataques atômicos, não acaba, ao contrário, fica cada vez mais forte.
Além de sofrerem um ataque inédito no mundo, um bombardeio atômico, as vítimas de Hiroshima e Nagasaki não imaginavam que teriam de travar outras batalhas em um futuro próximo: contra os efeitos da radiação em seus corpos e até mesmo para obter ajuda do governo para tratamentos. Na época da guerra, em Hiroshima, ficou estabelecido que os postos policiais dariam indenizações aos moradores caso eles sofressem ataques aéreos. Esse pensamento parece ter vingado após os ataques das bombas atômicas, em seu devido tempo e proporção. Muitos grupos pressionaram o governo para que prestasse ajuda às vítimas com seqüelas.
A reivindicação, porém, só foi atendida em 1957, mais de uma década depois da tragédia. Naquele ano, o governo estabeleceu a Lei de Suporte às Vítimas da Bomba Atômica, que concedia tratamento médico para aqueles que foram expostos de alguma forma à destruição e à radiação. Com emendas posteriores, o pagamento de pensões mensais em dinheiro foi estabelecido.
Atualmente, as vítimas recebem uma caderneta de saúde, que lhes dá direito à assistência médica e às indenizações. Têm direito a esse cartão os afetados pela radiação que nasceram até 31 de maio de 1946 no caso de Hiroshima, e até 3 de junho de 1946 no de Nagasaki. Quem entrou na zona de 2 km do epicentro até a segunda semana após a explosão, para resgate e assistência às vítimas, também pode pedir a ajuda. Da mesma forma, entram nessa categoria aqueles que foram expostos à radiação emanada dos corpos dos mortos por longos períodos de tempo.
De acordo com dados do Ministério da Saúde japonês, os atingidos pelos ataques nucleares atualmente somam 274 mil pessoas. A idade média deles ultrapassa os 72 anos, e cerca de 8 mil morrem todos os anos.
No Japão, evita-se o uso do termo sobreviventes para essas pessoas, uma vez que enfatizar que elas ainda estão vivas poderia ser um desrespeito aos mortos. Eles são chamados pelo termo gembakusha, que significa, em japonês literal, “pessoas afetadas pela radiação da bomba atômica”.
Os benefícios dos gembakusha variam de 17 mil ienes (358 reais) a 140 mil ienes (2.950 reais), dependendo do nível de exposição à radiação e das seqüelas. Assistência médica e indenizações são dadas às vítimas, mas uma ressalva existia até alguns anos atrás. Somente quem morasse no Japão estaria apto a receber o auxílio, dizia um decreto do Ministério da Saúde de 1974. No entanto, vários dos sobreviventes foram para outros países e tinham dificuldades em obter o benefício.
Welison CalandriaBonde destruído
Nenhuma pessoa dentro do bonde a 250 m do epicentro da explosão sobreviveu. Todos foram carbonizados
Aqueles que moravam no exterior protestaram, a pressão foi grande e o goveno acabou cedendo. Em 2002, o auxílio passou a ser concedido àqueles que não moravam em solo japonês. Um prazo de três anos, a partir de junho daquele ano, foi estabelecido para que todas as vítimas fora do país fizessem o cadastro. Uma vitória dos gembakushas que não pôde ser comemorada por completo.
Após a catástrofe causada pelas duas bombas, muitas informações foram omitidas, tanto por parte do governo americano quanto por parte do governo japonês. Fotos, documentos e objetos foram confiscados para que os danos da bomba não fossem facilmente divulgados. Os dados arquivados atualmente são algumas exceções que escaparam desta vistoria. Muitos sobreviventes estão sendo prejudicados por isso. A falta de documentação não permite que estas pessoas usufruam de seus direitos.
Para se conseguir os benefícios oferecidos pelo governo, é necessário ter uma carteirinha que comprove que a pessoa foi vítima direta das explosões. E para isso é preciso de provas concretas como testemunhas e documentos. Manabu Ashihara, 76 anos, foi vítima da bomba em Nagasaki, porém, devido a sua história, só conseguiu adquirir a carteirinha em 2005. Todos os documentos que provavam a sua participação como soldado na Segunda Guerra foram confiscados e queimados. Sua presença em Nagasaki em 1945 foi legitimada e ele finalmente pôde exercer seus direitos como gembakusha. As vítimas ainda precisam ir até o Japão no momento de fazer o requerimento de indenização, para procedimentos burocráticos e a realização de exames médicos. A passagem é paga pelo governo japonês. Essa restrição causa outro problema: as vítimas têm, hoje em dia, 59 anos no mínimo. Muitos deles são idosos, com a saúde debilitada, que os impede de enfrentar longas viagens. Aqueles que vivem no Brasil, por exemplo, têm de encarar 24 horas de vôo. Fora isso, somente o custo com a passagem é coberto pelo governo japonês. A hospedagem enquanto o processo burocrático se desenrola fica a cargo das vítimas.
Welison CalandriaMarcas da bomba
A intensidade da radiação foi tamanha que, por causa do calor, a estampa do quimono que esta menina de 11 anos vestia ficou marcada em sua pele
A lei atual obriga o governo a lidar com as despesas com funerais de vítimas da bomba. Mas a restrição geográfica também existe, tornando elegíveis à ajuda somente aqueles que tiveram o óbito registrado em solo japonês. Em setembro de 2004, uma decisão judicial mostrou que essa situação pode mudar. A Corte do Distrito de Nagasaki determinou o fim da exigência da vítima ir ao Japão, após julgar o processo registrado pelo sul-coreano Choi Gye Chol. Ele pedia o auxílio, mesmo não indo ao arquipélago. Chol morreu aos 78 anos, enquanto o processo era julgado. Em março deste ano foi a vez da Corte do Distrito de Hiroshima considerar a obrigação ilegal.
O Ministério da Saúde e o Ministério das Relações Exteriores do Japão começaram a discutir em junho uma revisão da Lei de Suporte às Vítimas da Bomba Atômica para permitir que todas as vítimas que estiveram em Nagasaki e Hiroshima recebam o auxílio governamental, onde quer que elas morem, sem a necessidade da presença na hora de fazer o requerimento. Hoje, há 3.539 sobreviventes da bomba atômica com cartões de saúde em 30 países. Desses, 2,3 mil vivem na Coréia do Sul, seguidos por 870 pessoas nos Estados Unidos. No Brasil são 140. Mas estima-se que, no mundo todo, mil pessoas ainda não tenham conseguido a ajuda porque não puderam ir ao Japão. Isso quer dizer que o número de vítimas pode ser muito maior que o registrado, mas que nem todas elas serão indenizadas pelo mal que sofreram.
Raio de ação da bomba
Welison CalandriaEfeito da radiação
Quem estava próximo ao epicentro da explosão desintegrou. Na escada, não sobraram corpos nem cinzas, apenas a sombra de uma pessoa
Em Hiroshima, 62,9% dos edifícios foram totalmente queimados ou destruídos. Outros 24% sofreram danos parciais. Somente 10% (76 mil) ficaram intactos. A destruição atingiu uma área de 10 quilômetros quadrados.
A 500 metros - Com a explosão, o ar se expandiu. Nesse ponto, com o refluxo, a pressão do ar chegou a ter a força de 19 toneladas. Esse vento destruiu quase todas as contruções que sobreviveram à onda de choque. Tudo foi incinerado.
A 800 metros - Quase todas as pessoas que estavam até esse ponto morreram.
A 1 quilômetro - Quase todos que absorveram a radiação morreram.

A 1,2 quilômetro -
A pele das pessoas que estavam nesse ponto e foram expostas diretamente à explosão ficou completamente preta.

A 2 quilômetros -
A área até esse ponto foi totalmente devastada. Entretanto, as regiões mais afastadas também sofreram conseqüências, seja da radiação, seja
do fluxo de ar.
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